Gabriel Pessoto - O grande filtro
Toda vez que cruzo com um trabalho de Gabriel Torggler, imediatamente reconheço a autoria. Pode ser um trabalho saído do forno ou algum desenho de anos atrás que eu ainda não conhecia. As composições variam - por vezes mais carregadas, por vezes as figuras flutuam em um fundo limpo - não importa, a linguagem visual denúncia: Gabriel passou por aqui.
Que estranho fenômeno é este ao qual as formas são submetidas? Sugestionado pelas redes, os grids que servem de fundo para muitos trabalhos, fui levado à imagem de um "filtro" - um grande coador de café que recebe a matéria em um estado e a transforma. A água quente é despejada sobre o pó e atravessa a trama do tecido transformada em líquido escuro, saboroso e aromático.
Não é fácil apontar o que acontece com essas imagens coadas que o artista despeja sobre diferentes suportes - papel, metal e concreto, por exemplo. Poderia sugerir que são fruto de um acontecimento místico ou mágico, no entanto, parece-me interessante encarar essas imagens como vestígios de uma pesquisa em laboratório (ou com aquilo que o imaginário comum nos permite entender dessa prática). A constância, a insistência, as diferentes combinações que vão sendo testadas na construção das imagens, tal como a variedade de materiais e superfícies, evocam a figura do cientista obcecado.
Um famoso exemplo desse tipo na ficção, o Dr. Frankenstein, levou a cabo a tarefa de dar vida a uma criatura a partir de matéria inanimada, um ser maior, mais forte e resistente do que a espécie humana. Para concluir a peripécia, o personagem juntou diferentes fragmentos de matéria orgânica de outros corpos e montou sua obra. Embora exista alguma semelhança no procedimento, a intenção de Gabriel, não parece ser atingir um feito científico idealizado e grandioso: ele ilustra e remixa a abundância de dados que atinge nossos sentidos diariamente - seja pela experiência urbana, seja pelo excesso de informação sensorial que recebemos da mídia (da TV às redes sociais). Surgem daí figuras mistas, aberrações, objetos e seres fantásticos maravilhosamente absurdos.
Essas imagens filtradas e materializadas vão preenchendo as superfícies e promovendo encontros inusitados. Sobre esse grid, sobre essa rede (evocando aqui os vários sentidos atribuídos à palavra) é tecida uma estranha trama na qual se penduram todas essas pequenas, médias e grandes porções de absurdo que estão, pasme!, mais próximas do que costumamos imaginar.